26 de outubro de 2016

OCIOSIDADE OPCIONAL

“Vai, ó preguiçoso, ter com a formiga, observa seu proceder e torna-te sábio. Ela não tem chefe, nem inspetor, nem mestre; prepara no verão sua provisão, apanha no tempo da ceifa sua comida. Até quando, ó preguiçoso, dormirás? Quando te levantarás de teu sono? Um pouco para dormir outro pouco para dormitar, outro pouco para cruzar as mãos no seu leito e a indigência virá sobre ti como um ladrão; a pobreza, como um homem armado.” (Provérbios 6, 6-11)


É bem verdade que a situação dos moradores de rua em todo o país é de causar escândalo para quem tem o mínimo de noção de dignidade. No entanto, se forem investigadas as causas que levam tantas pessoas a este fim lamentável, será aberto um amplo leque de razões, das mais variadas: há pessoas que partiram de situações de violência familiar, há pais e mães de família que por causa da baixa escolaridade já não encontram mais oportunidades de emprego. Há pessoas que de tanto sofrer com a seca no sertão apanham a primeira carona que conseguem para as cidades grandes, mergulhadas numa ilusão que não tardará a passar. Outras perdem o domínio de si mesmas por causa dos vícios... Mas há uma classe, ah, uma classe... esta é estranhamente responsável por grande parcela de indigentes que a cada dia cresce mais para disputar as calçadas: são os preguiçosos.
Essas pessoas, embora desprovidas de quaisquer bens materiais, têm a soberba como matriz de suas vidas e não trabalham nem trabalhariam por nada neste mundo. Parece ficção acreditar que seres naturalmente inteligentes tenham todo o seu aparato cognitivo reduzido a dispositivo de sobrevivência porque escolheram a ociosidade opcional. Preferiram deteriorar sua identidade, viver na auto depreciação contínua e alimentar seu ego de mendicância.  
O hábito de viver de esmolas e manifestações de piedade, ainda que bem intencionadas, tem o poder de destruir as pessoas, fazendo-as acreditar que não são mais humanas, que vivem conforme o “destino lhes dita”, que não passam de miseráveis fadados a morrer de inanição. Assim criam filhos e netos, estes ainda com menos condição de pensar na possibilidade de uma vida diferente, uma vida que possa colher frutos de um trabalho.
Quem pode, vez ou outra, se aproximar dessas realidades e quem se interessa  por desvendar essas histórias de vida, verá que nem todos os pobres são pobres de espírito, que nem todos os que sentem fome aceitarão matá-la a todo custo. Pode até se chocar ao ver que muitos que recebem doações não são gratos pela ajuda, querem exigir quantidade, qualidade, sabor e marca!
Não são poucos homens e mulheres que já perderam a perspectiva de vida decente e que já não se importam com a forma como sobrevivem, sendo até mesmo capazes de recusar qualquer trabalho digno. Assim, a preguiça é comprovadamente um dos fatores que levam à mais completa indigência. É doença da alma de difícil cura. Da mesma forma que o ser humano se adequa a boas realidades é igualmente adaptável às piores realidades.
Os moradores de rua que padecem do mal da ociosidade opcional não têm ânimo nem para cortar grama, nem para carregar uma feira, nem mesmo para limpar o local onde dormem. Porém, se observassem o trabalho de uma formiga, proativas e autônomas por natureza, diligentes e precavidas, saberiam que, ao menos em proporção ao tamanho, poderiam executar tarefas grandiosas que ser-lhe-iam bastantes para a cura de sua preguiça. Atividades laborais têm o condão de limpar a alma, de fazer crescer o ser humano e de libertá-lo de suas prisões interiores. O salário e o que se consegue fazer com ele é mínimo (em todos os sentidos) diante das mudanças que podem acontecer poderosamente para os que não desistem de querer um vida melhor. Por isso, vez ou outra, aparecem em programas televisivos pessoas que deram a volta por cima e transformaram suas vidas de dor e limitação em vidas prósperas.
Desta forma, nem todos são vítimas de uma sociedade que exclui, nem todos que moram na rua, o fazem por falta de oportunidade, e nem todos se dão à chance de sair das moradas fétidas, simplesmente porque alguns já bateram o martelo para si mesmos optando por nunca trabalhar, acostumando-se com o grupo X ou Y que virá trazer comida hoje e decretando sua morte nos níveis social, espiritual, intelectual, moral e, por fim, físico.



 Texto escrito por: Erivandra Marques

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